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terça-feira, 10 de abril de 2018

Há uma falha nas instituições brasileiras permitindo que uns sejam presos e outros, não. Afirma Sociólogo e Comentarista da CBN em entrevista à BBC Brasil

"Eu não vejo como um fato histórico porque o Lula foi preso. Eu acho histórico porque o Lula foi preso e o Temer não foi, o Aécio não foi, o Renan Calheiros não foi"


Em meio a um momento "turbulento e tumultuoso" na política brasileira, a falta de consistência nas decisões do Judiciário gera uma "dúvida institucional que é nociva e desestabiliza a democracia", considera o sociólogo Sérgio Abranches.

Em entrevista à BBC Brasil, Abranches afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem tomado decisões que variam de caso a caso e não condizem com seu papel de ser o "recurso de última instância" na República, devendo ter uma voz "estável" e "unívoca".

Para o sociólogo, o fato de o STF ter negado o habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas ainda deixar em aberto a possibilidade de reavaliar a regra da execução da sentença após a segunda instância gera instabilidade.

"Maiorias de circunstâncias não podem afetar a jurisprudência a respeito de questões tão cruciais", afirma Abranches, que é comentarista da rádio CBN.

O sociólogo considera que a prisão de Lula seguiu os trâmites judiciais, mas se reveste, do ponto de vista histórico, de "significado duvidoso" por ter ocorrido enquanto outras lideranças "ficam ao abrigo da lei", beneficiadas por um "sistema de blindagem" que continuaria operando para livrar políticos do processo judicial.

"Eu não vejo como um fato histórico porque o Lula foi preso. Eu acho histórico porque o Lula foi preso e o Temer não foi, o Aécio não foi, o Renan Calheiros não foi", afirma.

"Acho que essa contradição é insanável e só pode ser resolvida com a generalização desse direito para todos os brasileiros poderosos e ricos", diz Abranches. "Não é a soltura do Lula que resolve o problema. É a prisão dos outros."

BBC Brasil - Qual é o significado histórico da prisão, do momento atual?

Sérgio Abranches - É um momento muito cheio de contradições. Por um lado, estamos vendo as instituições judiciárias em funcionamento, e, pela primeira vez, lideranças políticas são responsabilizadas pelos crimes que lhes são imputados, com o devido processo legal.

Por outro lado, é evidente que temos outras lideranças que estão ao abrigo dessas instituições judiciárias, protegidas por um sistema de blindagem que foi montado por uma colusão, uma associação entre políticos, com ramificações no Judiciário e com coordenação do poder Executivo, para livrar políticos do processo judicial.

Essa estrutura de privilégios que protege lideranças em cargos importantes no Legislativo, no Executivo e nos partidos não tem nada de republicano. É um resquício das prerrogativas da nobreza na monarquia. É uma situação intolerável.

BBC Brasil - A seu ver, o que a prisão do Lula representa neste contexto?

Abranches - A ordem de prisão ao Lula seguiu a tramitação prevista na lei. Mas, do ponto de vista histórico, se reveste de um significado duvidoso.

O Lula é uma liderança histórica, uma liderança popular expressiva, e é preso enquanto outras lideranças com muito menos importância histórica ficam ao abrigo da lei, por causa desse sistema de proteção privilegiado. Isso não é justo nem democrático. Há uma falha nas instituições brasileiras permitindo que uns sejam presos e outros, não.

BBC Brasil - Mas muitos comemoraram a prisão do Lula como sinal de que um ex-presidente não está acima da lei. O senhor concorda?

Abranches - Em parte. Sim, ele deve estar submetido à lei como todos. O problema é que nem todos estão submetidos à lei. Eu não vejo como um fato histórico porque o Lula foi preso. Eu acho histórico porque o Lula foi preso e o Temer não foi, o Aécio não foi, o Renan Calheiros não foi. O Temer e o Aécio não estão sendo nem julgados direito. A ordem de prisão do Aécio foi desrespeitada pelo Congresso. Isso mostra uma brecha nas instituições que tem que ser sanada.

Poderia ter sido diferente? Poderia, se o ministro Dias Toffoli não tivesse segurado a decisão do Supremo sobre foro privilegiado (em novembro, o ministro pediu vista em sessão para discutir a restrição do foro para parlamentares). Ou se o Supremo não tivesse mudado seu entendimento, aplicando determinada regra ao ex-deputado Eduardo Cunha e outra regra ao senador Renan Calheiros.

Poderia ter sido diferente se várias circunstâncias nesse momento turbulento, tumultuoso e duvidoso tivessem tido um curso mais regular, com decisões consistentes, coerentes e estáveis, sem mudar de um caso para o outro, o tempo todo. Esse quadro revela um aspecto muito delicado da circunstância atual.

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