É justo tirar R$ 500 milhões do SUS
para engordar campanha política?
A crise sem precedentes que afeta o sistema de saúde público do Reino Unido, modelo
internacional que inspirou o nosso SUS e que sofre os impactos das políticas de
austeridade adotadas pelos governos conservadores, tem pautado as eleições
britânicas que acontecem na próxima quinta e deveria servir de alerta para o Brasil.
Mas por aqui, além de a saúde pública ter passado longe das prioridades dos
candidatos nas últimas eleições, apesar de o tema estar sempre entre os que mais
preocupam os brasileiros, a palavra de ordem agora é retirar R$ 500 milhões do
orçamento do Ministério da Saúde para engordar o fundo eleitoral de financiamento
das campanha municipais no próximo ano.
Parece piada de mau gosto, mas não é. Para quem não está acompanhando o assunto,
um resumo: na quarta (4), a comissão do Congresso responsável pela discussão
do orçamento de 2020 aprovou um relatório preliminar em que eleva bastante o gasto
previsto com o fundo eleitoral.
O projeto de lei orçamentária enviado pelo governo federal aos parlamentares previa
R$ 2 bilhões para custear as disputas municipais. Mas a comissão resolveu inflar um
pouco mais os recursos das campanhas eleitorais, acrescentando mais R$ 1,8 bilhão,
totalizando R$ 3,8 bilhões.
Além da saúde, sobrou também para as áreas de infraestrutura e desenvolvimento
regional (corte de R$ 380 milhões), que inclui obras de habitação, saneamento, e
educação (R$ 280 milhões).
O novo montante irá ainda à votação do relatório final da Comissão Mista do
Orçamento. Depois, o plenário do Congresso analisará a proposta em sessão prevista
para o dia 17 de dezembro.
Em suas redes sociais, João Gabbardo dos Reis, secretário executivo do Ministério da
Saúde, demonstrou de onde sairão os recursos que vão engordar o fundo eleitoral: R$
79,7 milhões, da formação de profissionais da atenção primária; 68,9 milhões, do
Programa Farmácia Popular; R$ 39,5 milhões, dos pacientes com doenças 2/3
hematológicas; R$ 37,8 milhões, da saúde indígena; R$ 28,9 milhões, da Rede Sara
Kubitschek.
Tem mais: R$ 22,3 milhões vão sair dos serviços ambulatoriais e hospitalares; R$ 8,9
milhões, do Inca (Instituto Nacional do Câncer); R$ 6,8 milhões, da Fiocruz; R$ 6,6
milhões, do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia; R$ 4,5 milhões,
da Funasa e R$ 3 milhões, do Instituto Nacional de Cardiologia.
Não custa lembrar que o SUS já sofre os efeitos da Emenda
Constitucional 95, que congelou os investimentos em saúde por 20 anos. O orçamento
da saúde previsto para 2020, de R$ 123 bilhões, teria R$ 9 milhões a mais sem
o impacto da emenda.
Menos recursos em um sistema já cronicamente subfinanciado pode ser catastrófico.
Um estudo que envolveu pesquisadores brasileiros e ingleses projetou 20 mil mortes a
mais de crianças até 2030 caso persistam as medidas de austeridade na saúde.
Outra análise publicada na revista BMJ Saúde Global, em 2018, alerta para o risco de
reversão das conquistas obtidas pelo SUS e a ampliação das desigualdades de saúde no
Brasil, prejudicando a cobertura universal e agravando a pobreza.
Ainda dá tempo de reagir e impedir que o SUS perca meio bilhão em 2020. Afinal, o
que é mais importante para você, leitor? Que sejam mantidos os recursos previstos
para as unidades básicas de saúde e hospitais, para a compra de remédios
e tratamentos oncológicos e cardiológicos, para cirurgias ortopédicas, terapias
de reabilitação e ações de combate às endemias ou ajudar os políticos a encherem o
cofrinho eleitoral com quase R$ 4 bilhões?
Cláudia Collucci
Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?” Escreveu essa matéria na última Terça 10/12/2019 para a Folha de São Paulo
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