O escárnio do escudeiro
Por José Luiz Boromelo é escritor e cronista em Marialva.
O plenário da Câmara dos Deputados se destina para, além de reunir os congressistas em votações de matérias, eventualmente abrigar expressões artísticas por parte de alguns de seus integrantes. Performances das mais inusitadas são exibidas sem constrangimento algum, como o saracoteado indecente da então deputada Ângela Guadagnin (PT-SP), que em 2006 protagonizou momentos infelizes quando da absolvição de um companheiro de partido, acusado de corrupção.
No caso mais recente, chamou a atenção o requebrado desengonçado do espaçoso “bailarino” (no gingado e no palavreado) deputado Carlos Marun (PMDB-MS), que se fez acompanhar de uma ridícula e plagiada cantarolada. As intenções do fiel escudeiro do Palácio do Planalto não se resumem a provocações pueris aos deputados da oposição e mostram que uma significativa parcela de nossos representantes federais se desdobra (devidamente persuadida por irrecusáveis argumentos palacianos), para atender às conveniências temporais do monarca interino. É um indicativo de que as coisas vão piorar muito mais, diante da vergonhosa negociata envolvendo a liberação das emendas parlamentares. Nota-se que o conceito de relevância das matérias ali apreciadas se tornou completamente subjetivo, com a pauta direcionada exclusivamente para atender aos interesses pessoais e eleitoreiros dos ocupantes daquela Casa de Leis e do comandante-mor, enquanto o País marca passo sem sair do lugar.
Com ou sem bamboleio parlamentar, a nação assiste de camarote aos intermináveis desdobramentos políticos na capital federal. O presidente conseguiu se livrar (pelo menos até o fim do mandato) de duas denúncias graves, que haveriam de impedi-lo de continuar no cargo. Para isso, vendeu literalmente a alma ao diabo, se tornando refém dos apoiadores sazonais. Ocorre que a base aliada, mal acostumada com duas despudoradas incursões seguidas aos cofres públicos, vai passar a exigir cada vez mais para aprovar matérias de interesse do governo. Essa gana irrefreável por benesses obviamente não se restringe a distribuição de cargos nos diversos escalões. Nossos nobres deputados, alçados a condição de partícipes do conluio que garantiu o prosseguimento do reinado atual, agora ousam voar na altitude equivalente ao poderio condizente com suas medíocres influências, materializadas no resultado (apertado) do placar eletrônico. Os antigos já ensinavam que uma tática eficiente para conter e subjugar um animal feroz é segurar bem firme o rabo do bicho. Sua resistência é vencida rapidamente, por conta da posição extremamente vulnerável a golpes certeiros. Assim se dá com Michel Temer, refém de uma horda de carniceiros sem escrúpulos que buscam a todo o momento, consumir vorazmente com o que sobrou da carcaça.
O bailado escrachado do escudeiro Marun foi apenas um deslize bobo, uma pisada na bola qualquer, um fato banal. Mas revela, mesmo que inconscientemente, um sentimento de escárnio, que reflete uma distância imensa da dura realidade do cidadão comum, além da desconexão total com as necessidades da população; dos princípios basilares que haveriam de nortear a conduta dos representantes do povo. O sacolejo infame no plenário da Câmara dos Deputados é o retrato original da blindagem marota concedida ao presidente da República, que em pleno exercício do cargo e sob acusação de crimes graves, fez uso de meios sórdidos e de recursos públicos para se manter no poder. Nada contra manifestações explícitas de júbilo por parte dos parlamentares federais. Esses ímpetos pontuais até seriam relevados, se as matérias aprovadas viessem de encontro com os anseios da sociedade. Mas por isso, o cidadão pode esperar sentado.
(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva.
Texto publicado em Rigon Opinião&Notícias
O episódio do tema
Texto publicado em Rigon Opinião&Notícias
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