Entre em contato com o blog Paiçandu Avante - Email: avantepaicandu@gmail.com



quinta-feira, 7 de abril de 2016

Sugestão de Leitura - O que o país já passou e o momento atual

Artigo de Alexandre Andrada Favoritar
Professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB)
Para o HUFFBRASIL  Associado à Editora Abril

Ainda precisamos do Exército para resolver nossas crises políticas?



A democracia no Brasil é uma árvore de raízes curtas. Somos um país histórica e fundamentalmente antidemocrático.

Somos a terra dos únicos Imperadores das Américas (1822-1889), somos a terra da democracia de faz-de-conta das elites agrárias (1889-1930), da Ditadura de inspiração fascista amolecida pelos ventos dos trópicos (1930-1945), da Ditadura militar que fazia teatrinhos eleitorais e permitia a existência de uma oposição (1964-1985)

Somos um país criativo em termos de tiranias.

A Nova República começou em 1985, mas, se pensarmos bem, tanto Sarney (1985-1990) como Collor (1990-1992) eram homens carnalmente ligados ao antigo regime, aos partidos antidemocráticos. Sarney fora presidente da ARENA e do PDS. Collor começou sua vida política na ARENA e foi membro do PDS até 1985.

O primeiro presidente eleito no país que não fora criado pelos partidos do totalitarismo foi FHC em 1994. E, ainda assim, só governou com o apoio do PFL, a ala anti-malufista do PDS.

A Nova República, portanto, é coisa novíssima.

Estamos agora atravessando sua pior crise política, associada a uma severa crise econômica. E a questão que me intriga é, será que seremos capazes de resolvê-las em a intervenção do Exército?

Pode ser coisa de paranoico, mas, historicamente, sempre que o Brasil esteve em crise e, principalmente, com a sociedade claramente dividida, o Exército desempenhou sempre o papel de "árbitro".

A República em 1889 contou com a participação decisiva do Exército. Não por acaso nossos dois primeiros presidentes foram Marechais (Deodoro e Floriano).

Quando os civis começaram a governar o Brasil, em 1894 a partir de Prudente de Morais, as coisas andaram calmas por um tempo.

Mas em 1930, por conta da grave crise econômica iniciada no final de 1929, e da divisão da sociedade e dos estados brasileiros, novamente o Exército foi decisivo na imposição do governo Vargas, que se arrastaria até 1945.

Em 1930 havia uma divisão entre as classes sociais no país. De um lado a República de mentira das elites agrárias regionais contra a República moderna desejada por tenentes, pelas classes médias urbanas, por elementos da burguesia industrial.

Em 1930 havia também uma divisão entre os estados. O acordo de cavalheiros entre SP e MG fora rompido, o que juntou força ao descontentamento de estados politicamente algo marginalizados, mas política e economicamente fortes, como o RS.

Houve temores de uma guerra civil, com as tropas rebeldes caminhando para o RJ a partir do Sul, de Minas e do Nordeste.

O Exército se uniu e pôs fim ao governo Washington Luís.

O Exército também teve papel fundamental na transição do Estado Novo para a Terceira República (1945-1964).

Não por acaso, o primeiro presidente do Brasil do período era um General: Eurico Gaspar Dutra, que fora Ministro da Guerra de Getúlio Vargas e figura central no golpe do Estado Novo em 1937.

No início dos anos 1960 o país voltou a ter sérias convulsões. Havia uma crise econômica e uma crise política em marcha.

Após o fim do governo JK o país estava endividado, com a inflação em alta e a produção em queda.

Com a renúncia de Jânio Quadros em 1961, uma severa crise política se instalou, agravando ainda mais a crise econômica.

Com Jango no poder, o país se dividiu.

De um lado os apoiadores do presidente: sindicatos, ligas camponeses, socialistas, comunistas, setores rebeldes das forças armadas. Enfim, do seu lado a "esquerda".

Contra Jango, as donas de casa, a Igreja, as classes médias, os latifundiários, os empresários, o governo americano. Enfim, a "direita".

Cada um desses grupos queria demonstrar mais poder, mobilizar mais gente e colocar fogo no país.

De um lado o Comício da Central do Brasil, do outro, a Marcha da Família.

O país estava dividido e o Exército entrou em cena novamente, decidindo qual lado da contenda seria o vitorioso: ele mesmo.

A Nova República ainda não conhecia uma crise econômica combinada com uma profunda divisão da sociedade brasileira, como vemos agora.

Nas crises políticas e econômicas do governo Sarney, a sociedade estava unida no desejo da manutenção da democracia (ou no temor da volta da Ditadura), do respeito à nova Constituição e cada grupo tinha esperanças justificadas de vencer as eleições de 1989.

Quando da queda de Collor, também houve consenso. Todos os grupos relevantes se voltaram contra o presidente. Da UNE dirigida pelo PCdoB, passando pela bancada de esquerda no Congresso, chegando até a FIESP, a Rede Globo, etc. Todos queriam se livrar de Collor.

Agora a situação é diferente.

Estamos vivendo uma divisão parecida com a de 1964.

Uma multidão tem tomado as ruas do país vestida de verde e amarelo, desejando o desaparecimento total de qualquer vestígio do petismo no país. Assim como em 64 se queria apagar qualquer vestígio varguista ou proto-comunista.

De outro lado, porém, os grupos pró-governo e/ou contrários ao "golpe", mostram também ter poder de fogo. Controlam sindicatos, movimentos sociais, têm grandes bancadas no Congresso, apoio de parte da imprensa, etc.

A "direita" sonha com a prisão de Lula, o principal líder da esquerda brasileira desde o fim da Ditadura.

A esquerda ameaça colocar fogo nas ruas. As declarações de Boulos - que promete "incendiar o país" no caso de "golpe" e até mesmo as ameças do Senador Humberto Costa contra um suposto governo Temer - "Vossa Excelência é o próximo a cair", são ameaças explícitas a qualquer governo que se instale no país.

"Não haverá golpe, haverá luta" (dizem) e havendo "golpe", haverá briga de foice no escuro (prometem).

Ou seja, é a primeira vez em que a divisão da sociedade brasileira aparece com perfeita nitidez e violência durante a Nova República, divisão com potenciais perturbadores da ordem e das regras.
Será que atingimos um grau de maturidade institucional que nos permitirá resolver essa crise sem a intervenção do Exército? Sem rompimento da ordem democrática (fechamento do Congresso, um governo de ocasião, por exemplo), ou sem a elaboração de uma nova Constituição?

Se sim, será uma prova de vigor da democracia brasileira.

Se não, não será nenhuma novidade em nossa história política.


Nenhum comentário:

Postar um comentário