Neste importante momento da vida nacional, quando, sob o argumento do suposto combate à violência e à criminalidade, se pretende reduzir, de 18 para 16 anos, a imputabilidade penal no país, o Ministério Público do Paraná vem esclarecer a população as razões pelas quais é contra tal proposta. O MP-PR alerta, também, para o manifesto retrocesso social e jurídico que a criminalização de jovens implicaria ao Brasil.
Neste sentido, a Instituição vem desmitificar os vários “argumentos” que entende equivocados, muitas vezes utilizados para confundir e desviar a atenção da opinião pública dos verdadeiros problemas – inclusive os reiterados escândalos de corrupção – que afligem o País.
Por outro lado, ressalta que as discussões em torno do aumento do período de internação de adolescentes – sobretudo nas infrações mais graves – devem ser feitas no âmbito do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo que a privação de liberdade, quando necessária, seja sempre conjugada com a obrigatória oferta de educação básica e aprendizagem profissional, de modo a efetivamente garantir a ressocialização dos adolescentes, em benefício da coletividade.
Conheça, abaixo, as razões pelas quais o Ministério Público é contra a redução da maioridade penal.
A redução da idade penal não resolve nem ameniza o problema da violência no Brasil.
Na verdade, a discussão em torno da maioridade penal só desvia o foco das verdadeiras causas da violência. Pesquisas realizadas nas áreas social e educacional apontam que no Brasil a violência está profundamente ligada a questões como desigualdade e exclusão social, impunidade, corrupção e desvio de dinheiro público. Portanto, a redução da idade penal apenas transforma o adolescente em bode expiatório para desviar a atenção da opinião pública das causas reais da violência, que são a ausência de investimentos multissetoriais em saúde, educação, programas culturais, esportivos, de lazer e em mecanismos de participação social e política.
Da mesma forma, a alteração não reduzirá os índices de criminalidade entre a juventude.
Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe os adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência (que no Sistema Penal é altíssima, superando os 70%). A violência não será solucionada com a culpabilização e punição, mas pela ação da sociedade e dos governos no enfrentamento de suas causas, sobretudo no plano social, educacional e econômico. Agir punindo e sem a discussão sobre os reais motivos que reproduzem e mantêm a violência, só gera mais violência.
Nossa legislação já possibilita a privação de liberdade a partir dos 12 anos de idade.
No Brasil, já a partir dos 12 anos de idade, os adolescentes que praticam atos infracionais estão sujeitos à privação de liberdade. O Estatuto da Criança e do Adolescente, a exemplo da legislação para adultos, prevê dentre as medidas socioeducativas a prestação de serviços à comunidade, a semiliberdade e também a internação, com a completa privação de liberdade de adolescentes. Esta autêntica “prisão” ocorre em estabelecimentos específicos, separados do contato com criminosos adultos. Atualmente mais de 15 mil jovens cumprem medida de internação no país. Portanto, é falso o argumento de que os adolescentes não são responsabilizados por seus atos. Não há, destarte, porque reduzir a maioridade penal para 16 anos, quando, desde os 12 anos, os adolescentes já estão sujeitos à privação de liberdade no país.
A redução da maioridade penal provocaria o “efeito dominó”, com gravíssimas consequências.
Adolescentes não são adultos; são seres em especial fase de desenvolvimento. Presumir que, a partir dos 16 anos, têm condições de ser responsabilizados penalmente como adultos, implicaria em reconhecer que também estão aptos, por exemplo, a conduzir veículos, a ter livre acesso a bebidas alcoólicas, a trabalhar em locais penosos e insalubres, a serem encaminhados para o exterior (contra a vontade dos pais), a serem impunemente fotografados ou filmados em cenas pornográficas, a estarem desprotegidos de medidas como a guarda ou tutela, etc. O precedente seria gravíssimo e resultaria em ‘efeito dominó’, que facilitaria e descaracterizaria crimes como a corrupção de menores, o tráfico internacional de pessoas, a exploração sexual, etc. Implicaria, ainda, em verdadeiro “prêmio” a adultos autores de crimes dessa natureza, que além de não mais serem responsabilizados pelo aliciamento de jovens de 16 ou 17 anos, passariam a aliciar adolescentes ainda mais novos. Leia mais.
São os adultos, e não os adolescentes, os maiores responsáveis pela criminalidade no país.
A criminalidade no Brasil resulta da ação de adultos. Segundo números da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça, divulgados em 2014, jovens de 16 a 18 anos – faixa etária que mais seria afetada por uma eventual redução da maioridade penal – são responsáveis por 0,9% do total dos crimes praticados no Brasil. Se considerados apenas homicídios e tentativas de homicídio, o percentual cai para 0,5%. Além do envolvimento de adolescentes predominar em infrações de natureza leve, decorre, sobretudo, do aliciamento por grupos criminosos e infratores adultos, bem como da precoce e induzida dependência a substâncias psicoativas. Os jovens, na realidade, lideram as estatísticas como vítimas de crimes. Dentre os óbitos de adolescentes, 36,5% resultam de atos de violência de que são vítimas, contra apenas 4,8% em relação à população adulta.
15 mil adolescentesPrisões não são melhores que o sistema socioeducativo. Pelo contrário.
Segundo o Levantamento Anual 2013 do Sinase, o Brasil tem mais de 15 mil adolescentes cumprindo medida de internação em unidades socioeducativas. A redução da maioridade penal teria o drástico efeito de retirá-los dessas unidades específicas, lançando-os em penitenciárias comuns, em companhia de adultos. Ou seja, ao invés da possibilidade de ressocialização, educação e profissionalização em estabelecimentos próprios, os adolescentes seriam colocados em estabelecimentos superlotados e inadequados na companhia de criminosos adultos. Ficariam sob a influência, violência e aprendizado de homicidas, latrocidas, traficantes, integrantes de facções criminosas, etc. Seriam, assim, recrutados em definitivo para o crime, voltando às ruas ainda mais comprometidos com a marginalidade e o crime.
A redução da maioridade penal tornaria sistema penal ainda mais caótico, aumentando a reincidência, a violência e a criminalidade.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgados em junho de 2014, o Brasil tem 711.463 presos (uma das maiores populações carcerárias do mundo) e um déficit de pelo menos 354 mil vagas, com 373.991 mandados de prisão pendentes de cumprimento. Ou seja, o sistema penitenciário não conta com vagas sequer para adultos. Portanto, a redução da maioridade penal apenas agravaria a situação já caótica do sistema. E mais, as condições desumanas das cadeias brasileiras as tornam incapazes de recuperar quem quer que seja. Hoje o índice de reincidência entre adultos é superior a 70%, contra 20%, ou menos, entre os adolescentes (em unidades socioeducativas). Concluindo, o rebaixamento da idade penal somente agravaria a violência, a reincidência e criminalidade no país.
A Constituição Federal não permite a chamada “maioridade seletiva”.
Há quem defenda a redução seletiva da idade penal, que seria aplicada apenas aos chamados crimes hediondos. Porém, não há como tratar um adolescente ora como jovem, ora como adulto, a depender do ato praticado. Nem o Direito nem a Justiça admitem relativismos. O critério para a definição da capacidade deve ser claro, definido e objetivo. Neste sentido, a Constituição Federal entende que o desenvolvimento da personalidade perfaz-se a partir dos 18 anos de idade. Ou seja, até essa faixa etária, a Constituição considera que o indivíduo está em formação. Trata-se, portanto, de cláusula pétrea, imodificável, inserindo-se no rol dos direitos e garantias individuais previstas na Carta Magna. Não há como pretender, portanto, que um adolescente seja considerado ora capaz ora incapaz, a depender do ato infracional praticado. Nenhum sistema normativo permite a “maioridade seletiva” – verdadeira aberração jurídica.
A redução da maioridade penal levaria o crime organizado a aliciar jovens ainda mais novos.
O Brasil não tem estatísticas sobre o total de crianças e adolescente cooptados pelo crime organizado, mas sabe-se que isso ocorre com frequência. Alguns fatores são determinantes para esse quadro. Um deles é a ilusão, alimentada pelas organizações criminosas, de que as sanções aplicadas aos adolescentes são menos severas, o que, como já se demonstrou, não corresponde à realidade. Há também o grande apelo representado pelo crime: dinheiro, carros, drogas e poder. Tudo isso direcionado à população extremamente fragilizada pela pobreza e falta de perspectivas e de políticas públicas eficientes para combater o problema. Com a redução da maioridade penal, grupos criminosos não apenas ficariam livres para corromper impunemente jovens de 16 e 17 anos, como também alargariam ainda mais sua margem de idade e influência. Se antes adolescentes de 16 anos eram aliciados para o mundo do crime, com a redução da maioridade penal, jovens de 14 e 15 passariam a ser o alvo prioritário desse aliciamento.
Em países desenvolvidos, a idade da responsabilidade penal é idêntica ou superior à do Brasil.
No Brasil, conforme o já destacado, a idade de responsabilidade penal juvenil é de 12 anos, o que significa que, a partir desta idade, já há adolescentes cumprindo medida de privação de liberdade. A situação é muito mais severa que em outros países como a Alemanha (14), Bélgica (16), China (14), Dinamarca (15), França (13), Itália (14), Japão (14) e Rússia (14), que estão entre aqueles em que a responsabilidade penal juvenil ocorre em idade superior à aplicada no Brasil. Por outro lado, seguindo a orientação da ONU, a idade da responsabilidade penal para adultos é fixada em 18 anos na maioria dos países – pesquisa feita pela Organização das Nações Unidas com 53 países mostra de 42 (ou seja, 79%) adota a maioridade penal aos 18 anos ou mais, como é o caso do Japão (21 anos). Importante registrar, por fim, que, dentre os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos, grande parte é composta justamente por aqueles que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens. Leia mais.
O aumento do período de internação de adolescentes deve ser discutido no âmbito do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sendo mais do que óbvio que a segregação em penitenciárias superlotadas, sob a influência de criminosos “profissionais” e sob o domínio de facções criminosas, em nada contribui para a ressocialização de adolescentes, forçoso reconhecer que qualquer discussão em torno do aumento do período de internação, sobretudo nas infrações mais graves, deve ser realizada no âmbito do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, com a observância dos princípios ali previstos (já restando comprovado que a reincidência entre jovens, nas unidades socioeducativas, é de 20%, contra 70% dos adultos em presídios). O propósito é garantir que a privação de liberdade, quando necessária, seja obrigatoriamente conjugada com a oferta, pelo Estado, de educação básica e aprendizagem profissional obrigatória, que possam efetivamente possibilitar a ressocialização dos jovens, em benefício da coletividade. O Sistema Socioeducativo é comprovadamente mais eficiente que o Sistema Penal, permitindo uma resposta muito mais rápida e adequada tanto aos adolescentes quanto à sociedade.
Temos uma das mais avançadas legislações do mundo (o Estatuto da Criança e do Adolescente). Precisamos garantir o seu cumprimento.
Há verdadeiro consenso de que a legislação em vigor (o ECA) é avançada porque traz para o interior do panorama legal brasileiro o que existe de melhor nas normas internacionais. Os problemas hoje existentes decorrem justamente da falta de uma adequada compreensão e aplicação da lei, não podendo a ela ser debitados. O Congresso Nacional e a sociedade devem exigir do Poder Público o efetivo e integral cumprimento da lei, com o investimento prioritário em programas e serviços públicos especializados no atendimento de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, educação de qualidade e ações diversas, centradas na prevenção.
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