12/05/2015
Fonte Ministério Público do ParanáQuando a psicóloga Dorothy Kahl e o marido, o fotógrafo Aldo Rempel*, optaram pela adoção, a ideia era tornarem-se pais de dois irmãos, já um pouco mais velhos, sem restrições quanto a características físicas, como cor ou sexo. “Entregamos pra Deus, pois sabíamos que Ele ia nos dar os filhos certos”, conta a mãe. No momento em que recebeu a notícia de que havia duas crianças aptas para adoção, o casal não quis vê-las primeiro para depois tomar sua decisão: “Já tínhamos combinado que, quando tocasse o telefone, seriam os nossos filhos, independente de qualquer coisa. Não era necessário ver nada”. Foi assim que em 2009 eles adotaram dois irmãos, de três e quatro anos de idade.
No mês de maio, em que foi comemorado o Dia Nacional da Adoção (25 de maio), o MP-PR propôs que histórias como a de Dorothy e Aldo se repitam, para que, cada vez mais, grupos de irmãos, crianças mais velhas, adolescentes, negros, dentre outros perfis excluídos pela maioria dos pretendentes à adoção, possam encontrar suas famílias. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 33,5 mil inscritos no Cadastro Nacional de Adoção e 5,7 mil crianças e adolescentes aptas a serem adotadas. Logo, se considerarmos a existência de mais de cinco famílias para cada criança, é preciso entender por que a conta não fecha.
De acordo com a promotora de Justiça Beatriz Spindler Leite, da 2.ª Vara da Infância e da Juventude de Curitiba, a maioria das crianças e adolescentes aptos à adoção não possui pretendentes interessados, porque grande parte dos habilitados quer adotar crianças de zero a três anos, de cor branca, do sexo feminino e sem problemas de saúde – perfil quase não encontrado nas entidades de acolhimento. Na Promotoria de Justiça em que atua, por exemplo, Beatriz não acompanha, no momento, nenhuma criança apta à adoção que atenda a todos os requisitos do perfil preferencial, que também exclui negros, grupos de irmãos e pessoas que, apesar de apresentar problemas de saúde tratáveis, demandam cuidados especiais.
A 2.ª Vara da Infância e da Juventude acompanha casos de 94 crianças e adolescentes aptos à adoção em Curitiba. Desses, 79 possuem idade entre 12 e 18 anos e 15, entre seis e 12 anos. Em âmbito estadual, a realidade não é muito diferente: conforme informações do CNJ, dos 653 aptos à adoção no Paraná, apenas 45 (6,9%) encontram-se na faixa etária mais solicitada pelos pretendentes, ou seja, até os três anos.
Filhos ideais x filhos reais – “O grande problema do processo adotivo é a idealização da filiação”, destaca a promotora de Justiça. “A maioria dos habilitados sonha em adotar a criança perfeita, mas se esquece de que, na adoção, assim como na gravidez biológica, há riscos – sejam eles previsíveis ou não –, que são inerentes ao processo parental”. Essa é também a opinião de Dorothy, que, dois anos depois de adotar os meninos, inesperadamente, tornou-se mãe de uma menina, de um ano de idade. Ela conta que Aldo foi à Vara da Infância e da Juventude apanhar alguns documentos das crianças, quando recebeu a notícia de que os meninos tinham uma irmã que estava apta para adoção. A psicóloga não teve dúvidas e em segundos decidiu: “Se é irmã dos meus filhos, é minha filha também”.
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Dorothy afirma que nunca teve receio em adotar sem determinar um perfil. “Quem me garante que o filho biológico não terá déficit de atenção, depressão, usará drogas? Filho dá trabalho e, em algum momento, vai trazer preocupações”, destaca. Ela também afirma que muitas pessoas têm medo da influência que o comportamento dos pais biológicos pode exercer no caráter da criança, mas Dorothy discorda da ideia de haver uma questão de determinação ou destino. “Se a mãe biológica dos meus filhos tiver sido usuária de drogas, isso não quer dizer que eles também serão”, exemplifica.
Assim como Dorothy, a promotora de Justiça pontua que a criança ou adolescente adotado pode vir a apresentar problemas, mas nada além do que ocorreria com uma criança gerada no próprio ventre. No entanto, ela afirma ser comum a rejeição da pessoa que possui uma característica não idealizada, o que vai contra a necessidade fundamental de aceitação plena e de um verdadeiro comprometimento afetivo em um processo de adoção. “Não se trata de um discurso de amor incondicional, mas da vivência diária desse amor incondicional. É estar disposto a entregar-se afetivamente a uma criança ou adolescente, apesar de todas as dificuldades e resistências que surgirão no dia a dia. Esse é o exercício da maternidade e da paternidade, sejam elas oriundas da via biológica ou da via adotiva”, reflete Beatriz.
AdoçãoO porquê da espera – Em um processo adotivo, as reclamações em relação à demora são comuns. Contudo, o procurador de Justiça Murillo José Digiácomo, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente e da Educação, esclarece que, se os pretendentes estiverem dispostos a adotar crianças e adolescentes fora do perfil preferencial, o processo é rápido. “Uma vez que a criança está apta à adoção, a espera do habilitado dura, em geral, menos que uma gestação. O que ocorre é que muita gente quer adotar um perfil de criança que as entidades de acolhimento não têm”, afirma Murillo.
Para Dorothy, por exemplo, a adoção dos filhos foi rápida: todo o processo durou menos de dez meses. Os meninos foram adotados em 2009, com três e quatro anos de idade, o que na época, segundo a mãe, era considerado adoção tardia e estava fora dos padrões de perfil visados pelos pretendentes. “Não era comum a adoção de irmãos, nem de crianças mais velhas. Então imagino que por isso foi tudo muito rápido.”
Dados da 2.ª Vara da Infância e da Juventude de Curitiba mostram que as restrições colocadas pelos pretendentes podem contribuir para que o processo de adoção seja demorado. Para se ter uma ideia, na capital, dos 303 habilitados a adotar, 177 não aceitam grupos de irmãos e 13 possuem restrição ao uso de drogas pelos genitores da criança. Há também pessoas que não aceitam crianças com histórico desconhecido ou de abuso e a maioria daquelas que já possui filhos prefere não adotar crianças mais velhas que os filhos biológicos. Além disso, 295 não aceitam crianças e adolescentes com deficiência ou doença grave, sendo que apenas seis pretendentes não colocam restrições nesse sentido.
Critérios necessários – O procurador de Justiça Murillo Digiácomo lembra ainda que são comuns as reclamações relativas à burocracia do processo adotivo. Porém, ele afirma que isso é fundamental, pois é importante fazer uma análise criteriosa da motivação dos pretendentes à adoção e de seu preparo, sobretudo do ponto de vista emocional, para as responsabilidades presentes e futuras da adoção. “Ninguém deixa um filho com um estranho por cinco minutos que seja. Com essas crianças e adolescentes a situação é a mesma. O poder público precisa ter certeza de que quem irá adotá-los tenha estrutura emocional, moral, enfim, um conjunto de condições que habilite o pretendente a recebê-los, até porque a adoção é para toda vida, sendo a única medida irrevogável prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente”, ressalta.
A promotora de Justiça Beatriz acrescenta que há um sistema legal, que não pode ser desrespeitado. Ela explica que, para crianças e adolescentes estarem aptos à adoção, as tentativas de mantê-los na família nuclear (em geral constituída por pai e/ou mãe) devem ser esgotadas. Caso isso não seja possível, é preciso avaliar a possibilidade de inseri-los em sua família extensa (pessoas próximas ligadas à criança por parentesco ou laço familiar). Se não houver êxito em nenhuma dessas tentativas, inicia-se a destituição do poder familiar, processo que deve seguir todos os trâmites legais, que demandam tempo. “Mas a partir do momento em que a criança está apta à adoção e se o pretendente habilitado não apresenta restrições de perfil, o processo é rápido”, reforça a promotora de Justiça.
AdoçãoLaços de amor – Para a jornalista Adriana Milczevsky, mãe de dois meninos, de dois e nove anos de idade, as pessoas que optam pela adoção devem desejar um filho real. “É preciso querer ser pai e mãe e receber o seu filho do jeito que ele é e não do jeito que você quer que ele seja”, afirma.
Adriana conta que, quando ligaram da Vara da Infância e da Juventude perguntando se ela e o marido tinham interesse em conhecer uma criança, ela respondeu: “Só quero saber o nome”. Para a surpresa do casal, o menino tinha o mesmo nome de seu novo pai: Marcelo. “Quando ouvi isso, não quis saber se a criança era branca ou negra, se era fisicamente perfeita ou não. Deus falou comigo em letras”, diz Adriana. Essa história aconteceu em 2010, ano em que Adriana e o marido adotaram Marcelo (9), na época com 4 anos. Segundo a jornalista, eles eram considerados um casal fora do padrão em relação à maioria dos pretendentes, já que há cinco anos não se falava em adoção de crianças com idade acima de 3 anos.
Assim como aconteceu com Dorothy e Aldo, Adriana e Marcelo não esperaram seu filho por muito tempo. “O processo não foi longo”, ressalta a jornalista. “Acredito que, por não termos restringido o perfil, o Marcelo chegou em menos de um ano, a partir do momento em que saiu a nossa habilitação para adotar.” Passado um ano e meio da adoção de Marcelo, em 2012, o casal recebeu outra ligação e, novamente, só interessava a eles saber o nome. Daquela vez, quem estava à espera de uma família era um bebê de 34 dias, com o nome de João Marcelo (hoje com dois anos). “Não preciso dizer mais nada, né?”, indaga Adriana, que nunca havia pensado que seria mãe de um bebê.
A jornalista é da opinião de que, se a pessoa restringe muito o perfil da criança que quer adotar, reduz também as chances da chegada do filho. Para ela, os futuros pais devem estar dispostos a receber o filho real, que muitas vezes não é o bebê ou não é a menina. “A criança também sonha com um pai e uma mãe ideal, mas quem garante que eu fui a mãe sonhada pelos meus filhos? Aos poucos, com a convivência, as coisas vão acontecendo e percebemos que o vínculo que realmente importa é o laço de amor.”
Melhor da vida – Desde a adolescência, a administradora Vanessa Macedo tinha vontade de adotar um filho e sempre pensou em crianças mais velhas. Em 2012, ela concretizou esse sonho, quando adotou uma menina de quase seis anos de idade. “Sofri muita pressão de amigos e familiares que afirmavam ser loucura adotar uma criança mais velha, mas nunca acreditei muito nisso”, conta Vanessa. “Minha filha é a melhor parte da minha vida.”
A administradora destaca que o mais importante em um processo de adoção tardia é saber respeitar a história da criança e não querer apagar o passado dela. Vanessa relata que é, sim, um desafio, pois adotar uma criança mais velha requer mais do lado emocional da pessoa, apesar de exigir bem menos cuidados de ordem prática. “Mas essa experiência é muito recompensadora, é gratificante, é maravilhosa!”
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*A família de Dorothy Kahl e Aldo Rempel concordou gentilmente em participar da campanha institucional do MP-PR, produzida especialmente para lembrar o Dia Nacional da Adoção (25 de maio) e incentivar a reflexão sobre o tema. Eles protagonizam as fotos dos banners da página principal do site.
Os personagens da matéria são voluntários da ONG Adoção Consciente, que tem o objetivo de preparar as pessoas interessadas em adotar uma criança ou adolescente para receber seus filhos. A ONG tem como foco incentivar os pretendentes a adotar crianças que hoje estão fora do perfil determinado pela maioria deles.
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